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TEXTOS EM PROSA

Textos pessoais em prosa, excertos de livros, comentários a certo tipo de imprensa etc.

TEXTOS EM PROSA

Textos pessoais em prosa, excertos de livros, comentários a certo tipo de imprensa etc.

20 Out, 2006

PORTUGUÊS DE LÁ

António Sala, director geral do grupo renascença e antigo elemento do agrupamento musical "Os Maranata", disse, um dia, na televisão, que nem só as grandes vedetas tinham direito à visibilidade e que  também àqueles que têm algum jeito para cantar se devia dar algum espaço...
É grande a  diferença entre a simplicidade daqueles que têm jeito para alguma coisa e a arrogância do "criativo" locutor de rádio, que, não tendo mais que o bicho do dito, passa a vida a enaltecer os grandes poetas, menosprezando aqueles que apenas têm engenho para fazer umas rimas despretensiosas; a louvar os grandes campeões pois que têm talento e trabalharam para isso, esquecendo que os que ficam logo a seguir podem eventualmente ter tanto ou mais talento e ter trabalhado tanto ou mais do que o campeão que por vezes o é porque teve mais sorte; etc. etc. etc.

" Ser feliz é muito mais fácil do que parece: basta abrir-se aos outros e empenhar-se em fazer alguém feliz."
Joana Cruz, RFM 
Em português de cá eu diria: Ser feliz é muito mais fácil do que parece: basta a gente abrir-se aos outros e empenhar-se em fazer alguém feliz...

Ou ainda:
 Ser feliz é muito mais fácil do que parece: basta  nos abrirmos aos outros e nos empenharmos em fazer alguém feliz...

A palavra se não pode ser, simultaneamente, pronome reflexo e sujeito indeterminado. Ou será que pode?

A prova irrefutável de que, na RFM , só passam grandes músicas está no facto de os ouvintes desta rádio já andarem a gostá-las  há mais de dois anos e continuarem sem saber quais são as de que gostam mais...


As músicas são repetidas de quatro em quatro horas?
Não senhor! sempre outras!
Os anúncios são repetidos de meia em meia hora?
Agora! sempre outros!
As frases são as mesmas todos os dias?
Nem pó! sempre novas!
As leituras são repetidos vezes sem fim?
Nem por sombras! sempre fresquinhas!

Que poderá fazer um director geral tarimbeiro com uma cambada de incompetentes que eventualmente lhe poderão mostrar diplomas que ele próprio não possui!!!???  

" Não, o ponto capital é que, duas horas depois de ter entrado na prisão, o recém-chegado encontra-se nivelado com os outros, está em sua casa, tem os mesmos direitos que os seus camaradas, pertence, em suma, à comunidade dos forçados. Todos o compreendem e ele compreende todos, todos o reconhecem, todos o consideram um dos seus. Mas não acontece o mesmo no caso do homem educado. Por muito justo, bom e inteligente que ele seja, ver-se-á odiado e desprezado durante anos inteiros pela massa dos forçados que não o compreendem e que, e isso ainda é mais grave, não têm confiança nele. Não o consideram amigo nem camarada e se, com o tempo, consegue que não o molestem, continua a ser para eles um estranho. Eternamente, dolorosamente, terá consciência de que continuará solitário, isolado, mantido à distância. Cria-se um vazio à sua volta, às vezes sem má intenção da parte dos forçados. Não é como eles, e pronto. Não há nada mais terrível  do que não viver no seu meio. "

Rcordações da Casa dos Mortos, pag. 247.
Romance de Фёдор Достоевский, Publicações Europa-América.

17 Out, 2006

PORTUGUÊS DE CÁ

" Era bom um homem poder estender-se , ao comprido, descalço, de pés à vontade, depois de quinze dias empapados em suor dentro das botas, não sentir obrigação nenhuma, saber que nenhum perigo lhe ameaçava a vida, que a morte estava longe."
Don Tranquilo ( "Тихий Дон"), romance de Михаил Шолохов, pag.281, volume I, traduzido por Armindo Rodrigues, editado por Círculo de Leitores.
O sublinhado é meu.
16 Out, 2006

POETA...

Poeta é aquele que consubstancia o seu pensamento de tal modo que, esquecidas as palavras do poema, a mensagem permanece na memória do leitor. E, sabendo nós que deus escreve direito por linhas tortas, um elogio tanto pode ser positivo como o contrário, uma crítica desfavorável outro tanto, dependendo do saber de quem a faz e das intenções que o movem...
10 Out, 2006

EQUADOR

Perante tantas críticas favoráveis e depois de ter lido, por alto, uma ou outra página do romance "Equador", decidi-me a lê-lo, mais por curiosidade do que por algum desejo advindo do quase nada que havia lido antes...
Das primeiras 100 páginas tiro a conclusão de que estamos em presença de uma obra que reúne  expressões das novelas brasileiras, muito dos lugares comuns amorosos à Margarida Rebelo Pinto e assunto à " Vates A G B " , de outra Margarida, sendo que  esta introduz uns investigadores actuais para dar cobertura ao calão tipo " Café da Manhã" .

Custa-me a entender que Miguel Sousa Tavares em cerca de dez linhas utilize " sair a perder, sair a perder, sair a ganhar ". Duvido que no princípio do século XX, em Portugal, alguém dissesse sair a em vez de ficar a ganhar ou a perder...
Também não acredito que, nessa época, Matilde  dissesse " num baile é suposto dançar-se ". Do mesmo modo é de estranhar que se usasse, a torto e a direito, as expressões " tão quanto, tanto quanto" em vez de tão como, tanto  como, tanto quanto, tão quanto, conforme o contexto...

Se as Selecções fizessem uma condensação, à semelhança da feita a " A Aliança " de James   Michener , destas 100 páginas ficariam no máximo meia dúzia.
M. S. T . disse, em tempos, aos telespectadores que  " das muitas pessoas que escrevem actualmente, umas não sabem escrever, outras não têm nada para contar, e umas terceiras não sabem contar..."
M. S. T sabe contar histórias ( cerca de trinta páginas, mentalmente, numa viagem de Lisboa a Vila Viçosa, cerca de cem de Lisboa a São Tomé, sempre mentalmente, é obra...), mas não será um romancista histórico como por exemplo um Max Gallo ...
Não vou seguir o conselho que o autor de " Equador" deu aos telespectadores : " se ao fim de 100 páginas ainda não estiver a gostar, ponha o livro de lado e leia outro"...
A partir da página 121 o romance ganha qualidade e interesse aproximando-se bastante da imagem fotográfica ao estilo de Alves Redol...
O governador de São Tomé e Príncipe e o cônsul inglês mais parecem dois heróis de romance de aventuras do que de romance "histórico" que exige mais rigor, apesar da ficção...
Antes de avançar na leitura deste romance, abri-o uma ou outra vez ao acaso e, numa delas, ao ler a descrição da esposa do cônsul inglês, previ e acertei que o governador se envolveria com a dama. Quando, Já durante a leitura do livro, surgiu uma viúva ainda em bom estado, previ o mesmo e também acertei: demasiado previsível...
E o adjectivo líquido: olhos líquidos, verde líquido, algodão líquido... Já só leio o romance de guarda chuva aberto, de tanto líquido... 
Um romance desnecessariamente demasiado extenso...  
Em suma, um romance líquido, no qual se realiza que é suposto, no limite do suportável, sair a ganhar ou a perder sem que ninguém fique a perder ou a ganhar e uns perdem para os outros para quem estão a jogar sem que ninguém jogue ou perca com ninguém, trazendo à memória do leitor "Rocambole" com fim infeliz e "Lágrimas de Mãe", um romance em fascículos que antigamente vendiam porta a porta...

"Penso que o Nobel é uma acto de justiça à língua e à literatura portuguesa, que chega, pelo menos, com 20 anos de atraso. Mas já se tinha percebido que, mais ano menos ano, ele havia de chegar e para o receber só poderiam ser Saramago ou Lobo Antunes, os melhores divulgados e promovidos no estrangeiro. Coube a sorte a Saramago, para quem o Nobel ainda chegou a tempo, ao contrário de outros, como Torga, Nemésio ou Jorge de Sena. Pessoalmente, rompo o consenso nacional, porque acho que Saramago escreve muito bem, mas não é um grande escritor. Felizmente, o júri do Nobel não pensou o mesmo que eu."

Miguel Sousa Tavares, jornalista

Saramago narra o absurdo de modo a torná-lo racional , enquanto M. S. T . no romance " Equador" narra  acontecimentos históricos como se de aventuaras se tratasse: a diferença entre um grande escritor, Saramago, e um aprendiz da escrita...

" As coisas melhoraram com o tempo. Por um lado, Kieran deixou de me bater quando percebeu que eu me tornara no filho adoptivo do director. Por outro, o racionamento acabou finalmente. Sem dar por isso, a minha pronúncia modificou-se tanto que os outros rapazes já não me gritavam «ianque» quando me viam na rua, embora ainda digam que a minha forma de falar é estranha. Nem uma coisa, nem outra, dizem alguns, mas há qualquer coisa de estranho no modo como articulo as vogais. "

Bendito Seja o Ladrão,  pag. 34/35, Alan Wall, Edições ASA.