" (...) --- Grebhake e Wolters cometeram um acto vergonhoso.
O rosto do tio Albert alterou-se visivelmente; mordendo os lábios, perguntou um pouco pálido:
--- Onde? Que viste? Como sabes tu?
Falando a custo Martin prosseguira:
--- Fizeram-no entre as moitas. --- Gaguejou: --- Tinham as calças desabotoadas e a cara muito encarnada.
O tio Albert encheu tranquilamente o cachimbo, acendeu-o e falou durante muito tempo, durante tempo demasiado, acerca da união dos sexos, da beleza da mulher, do sexo. Referiu-se a adão e Eva, e na sua voz transparecia um entusiasmo que pareceu a Martin um pouco ridículo ao começar a louvar a beleza das mulheres e o impulso dos homens de se unirem com elas; entusiasmo discreto, misterioso, na voz do tio Albert.
--- Além disso --- disse o tio Albert despejando desnecessariamente o cachimbo, que ainda continha tabaco a arder, e, contra o seu costume, acendendo um cigarro --- além disso, sabes bem que é assim que nascem as crianças: as crianças são fruto da união dos homens com as mulheres.
Mais referências a Adão e Eva, às flores, aos animais, à vaca que havia em casa da mãe do tio Albert --- e outra vez Adão e Eva; e o que o tio Albert dizia parecia razoável, tinha um som sereno, era esclarecedor, embora não explicasse o que Grebhake e Wolters haviam feito nas moitas --- algo que ele não tinha podido observar com exactidão e que nem sequer poderia supor o que fosse: calças desabotoadas, rostos muito corados, e o cheiro ácido da erva fresca...
O tio Albert falou durante muito tempo acerca de «certos mistérios a que só posso aludir por alto». Falou também em impulsos secretos e de como era difícil para todo o indivíduo novo, em crescimento, esperar até estar maduro para essa união. Outra vez as flores e os bichos:
--- Uma vitelinha, por exemplo --- dizia o tio Albert ---, não se une com um touro, nem pode ter vitelos, não é verdade?, embora já tenha sexo.
Enquanto falava, o tio Albert fumava cigarros uns atrás dos outros, e havia momentos em que gaguejava.
«Imorais os tios e o casamento», pensou Martin.
--- Quado estiveste em Inglaterra também eras casado?
--- Era.
--- E unias-te com a tua mulhar?
--- Sim --- disse o tio Albert, e, por muito atentamente que o observasse, Martin não descobriu nele qualquer trepidação nem qualquer alteração no seu rosto.
--- E porque não tens filhos?
--- Sim --- disse o tio Albert --- nem todas as uniões produzem filhos. --- E lá vieram outra vez as flores e os bichos, e nada acerca de Adão, nada acerca de Eva, e ele interrompeu o tio Albert e disse:
--- Então é como eu pensava?
--- Como tu pensavas o quê?
--- Que uma mulher pode ser imoral mesmo quando não tem filhos do homem com quem se une --- como a mãe do Welzkam.
--- Raio! --- exclamou o tio Albert. --- Como chegaste a essa conclusão?
--- Porque a mãe de Brielach é imoral, tem um filho, uniu-se com um homem com quem não é casada.
--- Mas quem disse que a mãe do Brielach é imoral?
--- Brielach ouviu o reitor dizer ao inspector escolar: «vive em condições pavorosas, a mãe é imoral.»
--- Ah, sim!? --- disse o tio Albert.
Ao ver que o tio Albert estava furioso, Martin acrescentou com menos segurança:
--- É verdade, Brielach ouviu, e sabe muito bem que a mãe é imoral.
--- Ah, sim!? --- tornou o tio Albert. --- E depois?
--- Bom... --- disse ele. --- A mãe de Welzkam também é imoral, embora não tenha filhos, eu sei!
O tio Albert nada disse; limitou-se a olhar para ele, espantado e com ar muito bondoso.
--- Desvergonhado --- disse o garoto de súbito, como se a ideia lhe ocorresse naquele instante --- é o que as crianças fazem. O que os adultos fazem é imoral. Mas Grebhake e Wolters uniram-se um com o outro?
--- Não, não --- disse o tio Albert nitidamente corado. --- Isso é confusão, eles estavam e estão confusos. Não penses mais nisso, e pergunta-me sempre que ouças qualquer coisa assim que não compreendas. (...) "
Heinrich Böll, Casa Indefesa pp. 179-182. Livros do Brasil