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TEXTOS EM PROSA

Textos pessoais em prosa, excertos de livros, comentários a certo tipo de imprensa etc.

TEXTOS EM PROSA

Textos pessoais em prosa, excertos de livros, comentários a certo tipo de imprensa etc.

29 Jun, 2006

AS MODAS



Donde virá a estupidez: das modas ou de quem as usa indiscriminadamente?
Numa época em que a juventude dos países da Europa Ocidental sofre de obesidade generalizada a moda faz com que as raparigas mostrem a carne nua de espessos dobrões de banhas e corram o risco de mais tarde vir a sofrer de graves problemas na zona renal;
embora as pessoas entendidas recomendem que se use chapéus de abas largas para nos protegermos dos malefícios provenientes da exposição ao sol, os homens decidem de repente usar cabelo à careca e até mesmo rapado à navalha, aumentando desse modo os perigos que advêm  dum sol mal filtrado...



"(...) Esse desejo de grandeza, de sofrimento, de amor por causas abstractas, hipóteses de dimensões absurdamente cósmicas, tinha sido há muito tempo amortelhado na sua própria linguagem. Tudi isso tinha passado, e era ridículo que as pessoas exibissem esses gestos arcaicos, essas formas imbecis de ser grande, que, aliás, tinham florescido, por vezes, em figuras bastante pequenas.(...)"

Lídia Jorge, O Jardim Sem Limites, pag. 54, Publicações Dom Quixote.



"(...) Não há, certamente, ninguém mais egoísta do que aqueles que, como eu, pensam que o não são. Julgamo-nos muito sensíveis porque estamos bastante atentos à dor que sofremos e imaginamos muito bem a dor dos outros. Mas medimos com exactidão a nossa , sondamo-la e não deixamos de nos alimentarmos e saciarmos com ela. Da dor dos outros desembaraçamo-nos bem depressa, uma ninharia nos consola dela e passamos adiante.(...)"

José Cabanis, A Batalha de Toulouse, pag. 74, Publicações Dom Quixote.



"(...)Quando eles deram a conhecer esta exigência ao Conselho dos Cento e Quatro, os membros deste não conseguiram esconder a sua indignação e o seu desespero. Sabiam que tinham de designar os seus próprios filhos como reféns e esta perspectiva era-lhes intolerável. Havia lustros que se serviam da sua alta posição para acumularem formidáveis riquezas e beneficiarem de diversos privilégios. Entronizados em egoísmo, tinham perdido, na sua maior parte, o sentido do bem público e mostravam-se avaros do seu dinheiro quando os cofres do estado ficavam vazios. Preferiam então sobrecarregar o povo com novos impostos em vez de contribuírem para as despezas com os seus dinares. Julgavam-se acima das leis. Desta vez tinham sido encurralados. Não podiam comprar substitutos para os seus filhos, como alguns haviam feito em tempos, quando de sacrifícios humanos a Baal-Moloch em determinadas circunstâncias dramáticas. Tinham de entregar o sangue do seu sangue e a carne da sua carne sem saberem se algum dia tornariam a ver a sua progenitura.(...)" 

Patrick Girard, Memórias de Asdrúbal, pag. 134, Lyon Edições. 
20 Jun, 2006

INGLÊS À BUSH



A língua portuguesa e a língua oficial do Brasil são semelhantes, mas não são a mesma coisa;
A língua francesa e a língua oficial da Bélgica são semelhantes, mas não são a mesma coisa;
A língua inglesa e a língua oficial dos Estados Unidos da América do norte são semelhantes, mas não são a mesma coisa.
Assim sendo, por que razão os locutores de rádio portugueses aprenderam a língua oficial dos Estados Unidos da América do norte em vez de aprenderem inglês? 
16 Jun, 2006

Anh Duc - Hon Dat,



"(...) OS imperialistas americanos esforçaram-se por aumentar os seus efectivos no Vietname do Sul a fim de realizarem a seu favor uma relação numérica de dez contra um. Essa relação fala claramente do valor do Ianque, sem ser necessário referir que, na realidade, é frequentemente ultrapassada. Na aldeia de Hon Dat , mais de mil soldados inimigos, armados até aos dentes, tiveram de abandonar o campo de batalha ao fim de dez dias de luta contra dezanove guerrilheiros, incluindo três mulheres e duas crianças, uma de sete e outra de treze anos. (...)"

Anh Duc, Hon Dat, pag. 5, Edição do autor da tradução
 



"(...) «"Depressa!", disse. "Prendam aquele estrangeiro que se está a empanturrar de arroz doce! Não o deixem engulir o que levou à boca! Se for preciso, metam-lhe os dedos pela goela abaixo!"(...)«"É pá, salvei-me por pouco!", exclamou o príncipe do haxixe. "Ainda bem que o estrangeiro me impediu de comer o arroz! O Khan não gosta que mudem o sítio às bandejas, nem que lhe ataquem o arroz!" (...)«E foi assim que o pérfido negociante de escravos morreu como o porco que fora em vida. (...) «Na festa da pilhagem do mês seguinte, reparei que os convidados evitavam o lugar em frente do arroz doce com cerejas. E além disso, falavam bem alto, para que o Khan ouvisse.«" Touro Furioso", dizia um deles, "ouve-me com atenção." «" Que foi, Carneiro Imaculado?" «"Não toques no arroz doce, Touro Furioso, Porta-te bem e serás recompensado." «"E tu faz o mesmo, Carneiro Imaculado", retorquiu o Touro. "Faz o mesmo, porque só assim poderás continuar a mexer essa tua língua dentro dessa tua boca."(...)«De início, o ladrão não conseguia encontrar um lugar vago. Porém, acabou por dar com o lugar vazio, mesmo em frente da bandeja de arroz doce em que ninguém tocara. E jawan correu a sentar-se e a puxar para si a bandeja. «"Mas tu estás doido, irmão?", disse Carneiro Imaculado. "Que pensas tu que vais fazer?" «"Vou comer este arroz todo, porquê?", atirou-lhe o rude curdo. " O que é que tu tens com isso, ó abelhudo?" «Irmão", interveio Flor Esguia, "quem come desse arroz, tem morte certa. Só tens de escolher entre ser puxado por cavalos ou esquartejado por machados. Qual preferes?"(...) «"Graças a Deus que não sou um prato de arroz e não estou à tua frente, forasteiro!", gracejou o Primeiro Ministro. "Com uma única mancheia, quase deixaste o prato vazio!" «"Deixem comer o condenado!", exclamou o fumador de haxixe, afastando-se de Jawan. "Estou a olhar para ele e já o vejo esquartejado!" «Estava Jawan a fazer outra bola de arroz quando ordenei às duas sentinelas que o detivessem.(...) «As sentinelas trouxeram então Jawan, cuja primeira natureza era a ladroagem, à minha presença. «"Estás a ver?", Disse o Touro ao Carneiro. "Eu não te disse?" «"O homem foi avisado", retorquiu o Carneiro. «"Deviamos dar um novo nome a este prato", sugeriu, maliciosa, Flor Esguia. "Deviamos chamar-lhe o Arroz da Matança." (...) «Depois de aplicada a pena a Jawan, o curdo, pude sentir bem na pele a frieza dos meus súbditos. (...) «Mas foi nesta triste festa que um prazer inesperedo veio confortar-me os olhos magoados. Um jovem estrangeiro sentou-se no lugar vazio diante da bandeja de arroz doce. Reconheci imediatamente Ali Xir. Vendo aquele rapaz encantador esticar-se delicadamente para mergulhar os dedos no arroz, os convidados pararam de comer e puseram-se a olhar para ele com a maior consternação. «"Oh, oh", exclamou o fumador de haxixe. "Lá vai começar tudo outra vez!" «"Jovem", suplicou Flor Esguia, que nunca esperava que falassem por ela, "pela tua doce vida, não toques no arroz doce!" «"Tens toda a razão, minha querida", disse o janota com as unhas pintadas. "Quem desse arroz come, ou encurtam-lhe a vida, ou encurtam-lhe os membros." «"Não comas, irmãozinho", implorou-lhe Touro Furioso. "Esse arroz é morte certa". «Se ainda tens dúvidas, olha para mim", disse Jawan, o curdo, mostrando-lhe os coutos. «"Às vezes há males que vêm por bem", retorquiu Ali Xir. "Eu estou farto desta vida. Tentei privar-me dela, mas falhei sempre, A morte não me quer, por muito que a corteje. A morte evita-me, como se eu fosse indigno da bênção do sono eterno." «"E o impudente  Ali Xir não esperou nem mais um segundo e logo ali se atirou ao arroz. (...) «"E agora?", disse Carneiro Imaculado. «"O arroz foi-se, mas ele ainda cá está"; comentou o fumador de haxixe.(...)"

Güneli Gün, Na Estrada para Bagdad, pp. 226-232. Edições Asa



"  (...) --- Grebhake e Wolters cometeram um acto vergonhoso.
   O rosto do tio Albert alterou-se visivelmente; mordendo os lábios, perguntou um pouco pálido:
   --- Onde? Que viste? Como sabes tu?
   Falando a custo Martin prosseguira:
   --- Fizeram-no entre as moitas. --- Gaguejou: --- Tinham as calças desabotoadas e a cara muito encarnada.
   O tio Albert encheu tranquilamente o cachimbo, acendeu-o e falou durante muito tempo, durante tempo demasiado, acerca da união dos sexos, da beleza da mulher, do sexo. Referiu-se a adão e Eva, e na sua voz transparecia um entusiasmo que pareceu a Martin um pouco ridículo ao começar a louvar a beleza das mulheres e o impulso dos homens de se unirem com elas; entusiasmo discreto, misterioso, na voz do tio Albert.
   --- Além disso --- disse o tio Albert despejando desnecessariamente o cachimbo, que ainda continha tabaco a arder, e, contra o seu costume, acendendo um cigarro --- além disso, sabes bem que é assim que nascem as crianças: as crianças são fruto da união dos homens com as mulheres.
   Mais referências  a Adão e Eva, às flores, aos animais, à vaca que havia em casa  da mãe do tio Albert --- e outra vez Adão e Eva; e o que o tio Albert dizia parecia razoável, tinha um som sereno, era esclarecedor, embora não explicasse o que Grebhake e Wolters haviam feito nas moitas --- algo que ele não tinha podido observar com exactidão e que nem sequer poderia supor o que fosse: calças desabotoadas, rostos muito corados, e o cheiro ácido da erva fresca...
   O tio Albert falou durante muito tempo acerca de «certos mistérios a que só posso aludir por alto». Falou também em impulsos secretos e de como era difícil para todo o indivíduo novo, em crescimento, esperar até estar maduro para essa união. Outra vez as flores e os bichos:
   --- Uma vitelinha, por exemplo --- dizia o tio Albert ---, não se une com um touro, nem pode ter vitelos, não é verdade?, embora já tenha sexo.
   Enquanto falava, o tio Albert fumava cigarros uns atrás dos outros, e havia momentos em que gaguejava.
   «Imorais os tios e o casamento», pensou Martin.
   --- Quado estiveste em Inglaterra também eras casado?
   --- Era.
   --- E unias-te com a tua mulhar?
   --- Sim --- disse o tio Albert, e, por muito atentamente que o observasse, Martin não descobriu nele qualquer trepidação nem qualquer alteração no seu rosto.
   --- E porque não tens filhos?
   --- Sim --- disse o tio Albert --- nem todas as uniões produzem filhos. --- E lá vieram outra vez as flores e os bichos, e nada acerca de Adão, nada acerca de Eva, e ele interrompeu o tio Albert e disse:
   --- Então é como eu pensava?
   --- Como tu pensavas o quê?
   --- Que uma mulher pode ser imoral mesmo quando não tem filhos do homem com quem se une --- como a mãe do Welzkam.
   --- Raio! --- exclamou o tio Albert. --- Como chegaste a essa conclusão?
   --- Porque a mãe de Brielach é imoral, tem um filho, uniu-se com um homem com quem não é casada.
   --- Mas quem disse que a mãe do Brielach é imoral?
   --- Brielach ouviu o reitor dizer ao inspector escolar: «vive em condições pavorosas, a mãe é imoral.»
   --- Ah, sim!? --- disse o tio Albert.
Ao ver que o tio Albert estava furioso, Martin acrescentou com menos segurança:  
   --- É verdade, Brielach ouviu, e sabe muito bem que a mãe é imoral.
   --- Ah, sim!? --- tornou o tio Albert. --- E depois?
   --- Bom... --- disse ele. --- A mãe de Welzkam também é imoral, embora não tenha filhos, eu sei!
   O tio Albert nada disse; limitou-se a olhar para ele, espantado e com ar muito bondoso.
   --- Desvergonhado --- disse o garoto de súbito, como se a ideia lhe ocorresse naquele instante --- é o que as crianças fazem. O que os adultos fazem é imoral. Mas Grebhake e Wolters uniram-se um com o outro?
   --- Não, não --- disse o tio Albert nitidamente corado. --- Isso é confusão, eles estavam e estão confusos. Não penses mais nisso, e pergunta-me sempre que ouças qualquer coisa assim que não compreendas. (...) "

Heinrich Böll, Casa Indefesa pp. 179-182. Livros do Brasil
10 Jun, 2006

OS BICHAROCOS



Aqueles que fingem não ver as pessoas conhecidas, com as quais não gostam de falar, deviam ser os primeiros a aperceber-se de quando estão a ser pagos na mesma moeda. Mas isso significaria que eram minimamente inteligentes e, por consequência, não agiriam de modo descortez com ninguém...

(...) Estou a reler Pessoa para raspar dos meus versos algumas possíveis dedadas suas mais visíveis, com vista ao funesto Óscar Lopes. Sobre tudo para ver se topo em Pessoa qualquer coisa que me despromova nuns versos meus de que gosto e que se calhar não me pertencem. Dizem não sei quê «o aceno de um lenço que se vê mal». Mas não topei ainda. Topei foi, seguindo o método oscarino, com «influências» e quase plágios em Pessoa, de insuspeitados vates antigos. Assim:

                                      Nem sonho nem cismo
                                                                            (de «Casa Branca, Nau Preta»)
é o

                                       cismo em meu olhar

de António Nobre

O                                     Mas sou eu o mesmo que aqui vivi?
                                                                              
(de «Lisbon revisited»)
é evidentemente o
                         São estes os sítios? São estes, mas eu
                          o mesmo não sou

da Marília de Dirceu do Gonzaga.

E:                       Vai alta no céu a hora da Primavera 
                                                                       (de «O Pastor Amoroso»)

é obviamente o

                          Vai alta a lua na mansão da morte 

do extremamente falecido Soares de Passos.

         Mas há mais: O verso

                            A neve pôs uma toalha calada sobre tudo    

de Caeiro, inclui uma hipálage que, a despeito do per amica silentia lunae de Virgílio, é propriamente privada de Eça.
       O verso das «Poesias Inéditas»

                             Tornar-te-ás quem tu sempre foste

é um plágio descarado do célebre

                              Tel qu'en lui même

de Mallarmé.
         E há ainda os

                               Olho os campos, Neera
                                campos, campos


que não sei se vieram do Lorca  ou se foram para lá...
         E este celebrado verso:

                                 Deus quer, o homem sonha, a obra nasce?
         
           De Pessoa? Não querias mais nada. É de Corneille!

                                   Dieu le veut, il suffit, le miracle se fait.

        Vem nas Oeuvres, t. IX, p. 25, segundo me diz Georges Poulet
em Études Sur Le Temps humain, 1, p. 142 da Colecção 10/18.

  E o

                                    balouçar de cimos de palma (de «Pauis»)?

é naturalmente

                                    o vosso gesto é como um balouçar de palma

de Eugénio de Castro (cito de cor)

[ E isto do Livro do Dasassossego ( I, p. 200)? Leia-se:
           «O cais, a tarde, a maresia (...) na composição da minha angústia.» É inútil lembrar os celebrados versos de Cesário:

                                     ...as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
                                     despertam-me um desejo absurdo de sofrer
.]   

            E já agora só mais um caso. De quem é o verso Não mais , não mais, e desde que saíste?
             De Pessoa? Deixem-me rir. Mas toda a gente sabe que é de Camões:

                                      Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho.

            
E o célebre cais que é uma «saudade de pedra»? Pois o «sonho de pedra» de Baudelaire na poesia la beauté.
              Isto para não voltar a falar da estupendíssima frase «a minha pátria é a língua portuguesa» com que Pessoa fez mão baixa de frase idêntica da Carta IV do Fradique queirosiano.
               Não é de dizer duas coisas feias ao ouvido do nosso Óscar?(...)

Vergílio Ferreira, conta-corrente 3, pags. 201-203.