01 Jun, 2006
Vergílio Ferreira - conta-corrente 3
(...) Estou a reler Pessoa para raspar dos meus versos algumas possíveis dedadas suas mais visíveis, com vista ao funesto Óscar Lopes. Sobre tudo para ver se topo em Pessoa qualquer coisa que me despromova nuns versos meus de que gosto e que se calhar não me pertencem. Dizem não sei quê «o aceno de um lenço que se vê mal». Mas não topei ainda. Topei foi, seguindo o método oscarino, com «influências» e quase plágios em Pessoa, de insuspeitados vates antigos. Assim:
Nem sonho nem cismo
(de «Casa Branca, Nau Preta»)
é o
cismo em meu olhar
de António Nobre
O Mas sou eu o mesmo que aqui vivi?
(de «Lisbon revisited»)
é evidentemente o
São estes os sítios? São estes, mas eu
o mesmo não sou
da Marília de Dirceu do Gonzaga.
E: Vai alta no céu a hora da Primavera
(de «O Pastor Amoroso»)
é obviamente o
Vai alta a lua na mansão da morte
do extremamente falecido Soares de Passos.
Mas há mais: O verso
A neve pôs uma toalha calada sobre tudo
de Caeiro, inclui uma hipálage que, a despeito do per amica silentia lunae de Virgílio, é propriamente privada de Eça.
O verso das «Poesias Inéditas»
Tornar-te-ás quem tu sempre foste
é um plágio descarado do célebre
Tel qu'en lui même
de Mallarmé.
E há ainda os
Olho os campos, Neera
campos, campos
que não sei se vieram do Lorca ou se foram para lá...
E este celebrado verso:
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce?
De Pessoa? Não querias mais nada. É de Corneille!
Dieu le veut, il suffit, le miracle se fait.
Vem nas Oeuvres, t. IX, p. 25, segundo me diz Georges Poulet
em Études Sur Le Temps humain, 1, p. 142 da Colecção 10/18.
E o
balouçar de cimos de palma (de «Pauis»)?
é naturalmente
o vosso gesto é como um balouçar de palma
de Eugénio de Castro (cito de cor)
[ E isto do Livro do Dasassossego ( I, p. 200)? Leia-se:
«O cais, a tarde, a maresia (...) na composição da minha angústia.» É inútil lembrar os celebrados versos de Cesário:
...as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
despertam-me um desejo absurdo de sofrer.]
E já agora só mais um caso. De quem é o verso Não mais , não mais, e desde que saíste?
De Pessoa? Deixem-me rir. Mas toda a gente sabe que é de Camões:
Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho.
E o célebre cais que é uma «saudade de pedra»? Pois o «sonho de pedra» de Baudelaire na poesia la beauté.
Isto para não voltar a falar da estupendíssima frase «a minha pátria é a língua portuguesa» com que Pessoa fez mão baixa de frase idêntica da Carta IV do Fradique queirosiano.
Não é de dizer duas coisas feias ao ouvido do nosso Óscar?(...)
Vergílio Ferreira, conta-corrente 3, pags. 201-203.
Nem sonho nem cismo
(de «Casa Branca, Nau Preta»)
é o
cismo em meu olhar
de António Nobre
O Mas sou eu o mesmo que aqui vivi?
(de «Lisbon revisited»)
é evidentemente o
São estes os sítios? São estes, mas eu
o mesmo não sou
da Marília de Dirceu do Gonzaga.
E: Vai alta no céu a hora da Primavera
(de «O Pastor Amoroso»)
é obviamente o
Vai alta a lua na mansão da morte
do extremamente falecido Soares de Passos.
Mas há mais: O verso
A neve pôs uma toalha calada sobre tudo
de Caeiro, inclui uma hipálage que, a despeito do per amica silentia lunae de Virgílio, é propriamente privada de Eça.
O verso das «Poesias Inéditas»
Tornar-te-ás quem tu sempre foste
é um plágio descarado do célebre
Tel qu'en lui même
de Mallarmé.
E há ainda os
Olho os campos, Neera
campos, campos
que não sei se vieram do Lorca ou se foram para lá...
E este celebrado verso:
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce?
De Pessoa? Não querias mais nada. É de Corneille!
Dieu le veut, il suffit, le miracle se fait.
Vem nas Oeuvres, t. IX, p. 25, segundo me diz Georges Poulet
em Études Sur Le Temps humain, 1, p. 142 da Colecção 10/18.
E o
balouçar de cimos de palma (de «Pauis»)?
é naturalmente
o vosso gesto é como um balouçar de palma
de Eugénio de Castro (cito de cor)
[ E isto do Livro do Dasassossego ( I, p. 200)? Leia-se:
«O cais, a tarde, a maresia (...) na composição da minha angústia.» É inútil lembrar os celebrados versos de Cesário:
...as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
despertam-me um desejo absurdo de sofrer.]
E já agora só mais um caso. De quem é o verso Não mais , não mais, e desde que saíste?
De Pessoa? Deixem-me rir. Mas toda a gente sabe que é de Camões:
Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho.
E o célebre cais que é uma «saudade de pedra»? Pois o «sonho de pedra» de Baudelaire na poesia la beauté.
Isto para não voltar a falar da estupendíssima frase «a minha pátria é a língua portuguesa» com que Pessoa fez mão baixa de frase idêntica da Carta IV do Fradique queirosiano.
Não é de dizer duas coisas feias ao ouvido do nosso Óscar?(...)
Vergílio Ferreira, conta-corrente 3, pags. 201-203.